- Autoria do escritor Ricardo Reys (03/11/2016).
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OBRIGADO VELHO CHICO
Reprodução: Estúdios Globo
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Em Agosto de 2015 escrevi o seguinte sobre "A Regra do Jogo", na época, a nova novela da Globo na faixa das 21 horas:
"...um primeiro capítulo que tende a ser tão bom quanto o último. (...) criou-se uma história bem pontuada, dinâmica, inteligente, que se cristaliza na mente do público, em que cada movimento seu, por mais que se estenda, nunca deve perder o compasso."
Errei. Após primeiras semanas de audiência fraca, provavelmente assombradas pela reta final de Os Dez Mandamentos e traumatizadas pelo fracasso de Babilônia, o folhetim buscou de todas as formas se consolidar nos televisores do horário nobre.
Para tal, apelou, se diminuiu, se descaracterizou... A novela, em seu ótimo roteiro dos capítulos iniciais, se tornou uma mera caricatura de si própria, não se levando a sério, zombando de todo o ambiente e personagens que minuciosamente construiu, até culminar na Tarantinesca morte de Romero Rômulo e, também, na desonrosa marca de uma das piores audiências entre os produtos da categoria.
Eis que veio Velho Chico. E com ela, o ingrato dever de mudar esse cenário.
De cara, a novela mostrou méritos próprios para conseguir o sucesso: roteiro amarrado, coeso, sem falhas e excessos, com capítulos que, por muitas vezes, giravam em torno de uma única cena apenas, evitando aquela natural enxurrada de personagens e se dedicando a sempre se fazer crescer, e crescer junto com o interesse do espectador. Somava-se a isso um elenco afinadíssimo, nitidamente unido à história, sabendo cada qual o seu lugar e como transparecer ao máximo sua presença. Ademais, uma trilha sonora majoritariamente orquestrada, regida com excelência por Tim Rescala, rompendo com a banalidade da trilha musical de novelas que fazem da narrativa o tipo videoclipe, permitindo assim um absorver melhor da história e uma carga muito, mas muito maior de drama. No mais, além desses três pontos, aspectos técnicos que passavam a certeza de uma grande obra em potencial - salvo pequenos problemas de continuidade, natural e facilmente sobrepujados.
Por tudo isso, era uma novela que exigia certa atenção. O preço a pagar por sua qualidade - natural, visto que um excelente produto exige comprometimento.
Não funcionou.
A audiência manteve-se baixa, com inúmeras críticas ao alto drama das cenas, bem como ao fato - ou mérito - de cada capítulo ser importantíssimo para entender o roteiro, suas viradas e evoluções. Os diálogos, nessa história, não eram só figurativos. Eram sim determinantes.
Antes de nos atermos à qualidade e o que representa Velho Chico para a televisão, e em especial para a teledramaturgia brasileira, é preciso indagarmos o que representa a teledramaturgia para o seu próprio público. E porque, nesse caso em específico, é até mais ele e não a qualidade da obra que determina sua continuidade.
Por mais duro e sintomático - mas nunca preconceituoso - que possa ser, o público noveleiro mediocriza sua ambição - bem como o que passa na tela. Ele quer a qualidade, sim, mas desde que esteja esta inerente ao seu cenário. Em outras palavras, o público noveleiro quer a novela como pano de fundo. Não quer esperar o drama em sua equação; ver ele se desenrolar, fluir, culminar? Não. Nessa hora ele já mudou de canal. O público noveleiro quer imediatismo. Mesmo que isso signifique uma nivelamento por baixo. Aqui, é a formula videoclipe que faz sucesso; uma cena triste tocando Adele, uma de superação com Coldplay e, por fim, aquela de "tô chegando abre espaço", acompanhada por Anitta. Personagens profundos? Vamos na rotulação dos núcleos mesmo e põem àquela linha básica que liga a nora ricaça e perua ao irmão invejoso do mocinho. Sim. Mocinho. Ou é bom ou é mal.
Tudo porque o público noveleiro não quer saber da novela. Ele quer é fazer outra coisa enquanto a acompanha de soslaio. É a televisão ligada na hora do jantar. O canal em volume baixo nos bares da Gávea - agora, tendo o OFF como principal rival. É a faxina, o passar da roupa, o banho nos filhos, enfim, o descanso e/ou afazeres finais após um longo dia de labuta e estresse.
Foi nisso que Velho Chico pecou.
Embora seja justo dizer que, na sua passagem de fase, a novela parecia fazer de tudo para se perder como a Regra do Jogo se perdeu, felizmente voltou atrás, mesmo que assumindo brigas nos bastidores da emissora, conforme noticiado por alguns veículos de comunicação.
O bem da verdade, Velho Chico, aquele velho rio teimoso, percebeu que devia mais ao espectador. E o tratou com carinho, mesmo este não lhe dando muito valor. Mesmo acatando sugestões da emissora que mais "comercializaram" a obra...O bem da verdade, Velho Chico acabou simbolizando o começo da mudança das novelas como as conhecemos...
Podemos dizer que os escritores da Globo enfrentam hoje um dilema no horário das 21 horas. Ou fazem histórias naturalmente bobas, niveladas por baixo, para fisgar a audiência, ou arriscam roteiros bons, personagens profundos, com risco de passarem por mais problemas.
A resposta já foi dada.
Temos visto ao longo dos últimos anos um crescimento exponencial nas narrativas das onze horas. Depois do sucesso de Verdades Secretas, a tendência é que fenômenos como Justiça se repitam. Narrativas mais sérias, ambientações profundas e reviravoltas que colem o público na poltrona. Histórias que não temam ser violentas ou por exigir dedicação. Aqui, o jantar e o estresse diário já passou, sinalizando que o público, este sim o maior motivador de sua audiência, já está ao seu lado.
Resta o lamento por Velho Chico não ter desaguado neste horário. Como também, a torcida para o público continuar dormindo mais tarde. Por isso mesmo, sempre é válido reforçar o caráter não preconceituoso deste texto. Crítico sim, às 21 horas e à necessidade da banalidade das narrativas. Mas da mesma forma esperançoso, enxergando no público uma força motriz ao dizer para histórias e escritores que, de fato, quer mais.
Ricardo Jardim Reys
03/11/2016